segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Futebol

Texto: Ursinho / Fotos: Ossinho
Aproximadamente três reais pra cada é o que custaria a pelota. Uma pesada bola de futsal que havíamos orçado no dia anterior. Por alguma desrazão dos cálculos doidos faltou mais sete reais para completar o valor integral do precioso objeto. Vaninha, recém chegada de viajem com sua monoprole, Justin Bieber, antecipou-se em pagar o valor restante para que, com o advento da pelada, ela finalmente ficasse livre de sua cria.


Fomos ao supermercado, Leon mexeu com umas menininhas, Tom Seek conferiu algumas novidades na farmácia, e chegamos em casa. Desde a hora em que saímos estavam todos ansiosos para jogar, e acabaram tomando uma pra controlar a ansiedade.  Depois tomaram todas, já pra perder o controle mesmo, e o evento esportivo acabou não acontecendo. Para que a partida acontecesse, eu não sei bem quantos dias se passaram, pois estes se misturavam às noites, e tudo se misturava nos copos e nos Crazy Coconuts, que por sua vez misturavam as pessoas que misturavam conversas, bocas e fluidos. Mas o fato é que, não sei bem o dia nem as circunstâncias, mas partida ocorreu, numa bela tarde, à beira da praia. Como aproximadamente a metade dos integrantes do “Bordéu” era composta por mineiros e a outra metade por cariocas, decidimos por esse mesmo critério dividir os times. Escalação do time do Rio: Márcio Branco, Marcelo Mendigo, João, Wagner Marrento, e um transeunte escolhido ao acaso que usava uma botina. Escalação do time de Minas: Ursinho, Tom Tuberculose, Justin Osso Bieber, Leon de Chácara e Odilon. Ursinho e Leon estavam acima dos cem quilos, Tom Tuberculose e Justin Osso Bieber pareciam estar abaixo dos cinqüenta. Odilon, que completava no dia cinqüenta e quatro anos, era a arma secreta da equipe mineira, ainda que por vezes fosse acometido de súbita cegueira e, em meio a uma ou outra jogada, começasse a gritar desesperadamente: Cadê o meu time??? Onde está o meu time??? 

No time do Rio, Márcio Branco corria o campo inteiro, dava drible em todo mundo e fazia gols. Ele e o Marcelo, que fazia um bom e por vezes ocioso trabalho na defesa, já haviam jogado profissionalmente. João os acompanhava. Wagner Marrento catimbava fazendo um excelente jogo de gogó, e o cara da botina, botinava todo mundo. Em menos de cinco minutos o time do Rio já ganhava por 3 a 0. Nos esforçávamos para revidar. Tom Seek procurou superar suas crises de tosse, arrancava pela ala esquerda, mas a água lhe roubava a bola. Justin era fortemente marcado pelo vento. Ursinho e Leon em vão tentavam correr. Odilon driblava, corria, não acreditava no que estava acontecendo. Se segurava para não arrancar os olhos dos seus companheiros lerdos. Em algumas ocasiões de sorte o time de Minas conseguiu descontar, mas pouco puderam fazer para cessar o massacre. Sem fôlego, sem moral, sem ânimo... foi por volta dos 7 a 3 que decidi por um fim naquilo. Fechei os olhos, senti o vento. Observei a posição das sombras, sentia o álcool minando pelos poros, sentia os grãos de areia da praia, a vibração do mar, as vozes dos meus ancestrais. Eu não podia mais correr, Odilon estava contundido, o time estava morto. Fitei o horizonte, e de repente surge nele o cavaleiro do apocalipse, Márcio Branco, correndo com a bola em minha direção, com seu fôlego e dribles que causaram a ruína do nosso time. Eu era o último homem entre ele e o gol. Ele era meu inimigo. Eu tinha de pará-lo. Aplico-lhe um soco da roça? – Me perguntei. Ou talvez uma voadora baiana no pescoço? Ou Handhousekick cruzado? Antes que eu pudesse escolher o golpe, instintiva e imediatamente, meus reflexos (e não eu mesmo), aplicaram-lhe um “fecha-corredor”, golpe criado por Chuck Norris em 1972 e aprimorado por Júnior Baiano na década de 1990. Ele consiste basicamente em: a bola passa, ele não.

 Márcio Branco voou. Girou no ar. Rolou na areia. Mão na coxa e cara de dor. Marrento começou a gritar. As pessoas me olharam com indignação. As mulheres, aflitas, me advertiram sobre as conseqüências de danificar seu objeto de desejo favorito. Por alguns instantes fui um monstro. E até me senti um monstro. Mas, apaziguada a situação eu me dei conta de que, aquela primorosa quebrada, aquela entrada violentamente cinematográfica e seus efeitos sobre o objeto que sofreu a ação do impacto (Márcio Branco), foi a única coisa profissional que nosso time fez em toda a pelada. Após isso tudo, sentamos e bebemos.

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